O AT apresenta Deus como sendo um só Deus, que se torna conhecido pelos Seus nomes, atos e atributos, entretanto, é conveniente atentar que, apesar da postura centralizadora da Deidade – com vistas a formar um povo que se mantivesse fiel ao monoteísmo – há inúmeras passagens que denotam a pluralidade de pessoas na Deidade vétero-testamentária.
Utilizando o texto bíblico de Gn 1.1-2, podemos concluir, como Agostinho, a existência, desde os primeiros versículos da Bíblia, de um Deus Trino, conforme abaixo:
“No princípio criou Deus os céus e a terra. E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas”.
Analisando o texto em hebraico temos:
“Deus (hb. elohiym, plural de ‘elowahh, designação do supremo Deus), no princípio (hb. re’shiyth, o primeiro em lugar, tempo, ordem ou ranking) (re)criou (hb. bara’, criar, fazer e ‘eth, propriamente, por si só, ou seja ‘criou sem qualquer auxílio) os céus e a terra. E a terra era (hayah, vir a ser, tornar-se) sem forma e vazia (hb. tohuw, desolação, deserta, sem coisa alguma, bohuw, estar vazia, vacuidade, ruína indistinguível); e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus (hb. ruwach elohiym, semelhante ao fôlego, exalação violenta, aplicável apenas a um Ser racional) se movia sobre a face das águas.
Do exame acima, pode-se concluir que: Deus foi o responsável pela criação (e recriação) de todas as coisas, através do Seu princípio (Jesus, cf. Ap 3.14) e Seu Espírito Santo já se encontrava em operação no mundo.
A criação do homem reflete o consenso da Deidade, ao utilizar “façamos (hb. ‘asah, fazer no sentindo mais amplo e extensivo possível)… à nossa imagem e semelhança (hb. tselem, uma sombra, figura representativa, dmuwth, similitude, forma, modelo)” em Gn 1.26-27.
O episódio da confusão das línguas em Babel aponta para um plural e concordância volitiva da Deidade, cf. Gn 11.7, o mesmo ocorre em Is. 6.8, sendo que em ambos Deus usa para si mesmo pronomes plurais.
Em Gn 20.13 e 35.7 há o emprego do substantivo e do verbo hebraico no plural, isto é, “Deuses fizeram” e “Deuses se lhe revelaram”.
Sl 45.6-7 (confrontar com Hb 1.8-9) revela Deus (Pai), falando de ‘outro’ Deus (Jesus), que ungiu um de forma diferente aos seus companheiros (distinção da essência de Jesus e dos ‘companheiros’, i.e. anjos Hb 1.1-4).
O Sl 2.7 apresenta o Filho (hb. ben, filho, procedente de um antecessor genealógico, no caso, esse Filho, é gerado, mas não criado, Ele é co-eterno) do Senhor (hb. Yaweh ou Yehova, o auto-existente, eterno, ‘eu sou’) como sendo gerado.
Pv 30.4 apresenta perguntas de sabedoria sobre questões variadas, finalizando com a inquirição de qual é o nome (pelo nome, no hebraico, sabia-se a natureza e derivação da pessoa) de Deus e de seu Filho.
Em Nm 6.24-26, Is 6.3 e Ap 4.8, é utilizado o Triságio (gr. tris-agion, três vezes Santo), que é o nome utilizado para referir-se à aclamação da Deidade como Santo, Santo, Santo, referência à Trindade.
O Verbo de Deus como a Sabedoria, em Pv 8.1,22,30-31, comparado com Hb 1.1-2; Pv 3.19 é digno de nota em “O Senhor (hb. Yaweh ou Yehova), com sabedoria (hb. chokmaw, sabedoria, capacidade, inteligentemente, provém da raiz chakam, sobre excedente sabedoria, sabedoria primeira) …”
O Anjo do Senhor (hb. mal’ak, embaixador, rei, enviado, sempre de Deus, Yaweh ou Yehova) como o próprio Deus (Teofania), nas passagens de Gn. 22.11,16 e 31.11,13. Deus aparecendo em forma corpórea a Abraão (Cristofania) em Gn 18.1; 13-14. Deus se manifestando a Moisés no monte Sinai, em Ex 3.2-5. Deus se revelando aos pais de Sansão, Jz 13.18-22. O quarto homem na fornalha ardente com Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, Dn 3.25, 28, chamado por Nabucodonosor de “Filho de Deus” (ara. bar, filho e ‘elahh de ‘elowahh, designação do supremo Deus).
Por fim, a passagem de Zc 12.10 ensina, ainda que para um completo entendimento é necessário o NT – sobre as três pessoas da Divindade: o Pai (a quem olhariam), O Filho (traspassado) e o Espírito Santo (que daria a entender a obra do Filho).
A TRINDADE NO NOVO TESTAMENTO
O NT principia seus escritos, através dos Evangelhos, apresentando uma radical mudança de foco do Deus do AT – até então centralizador – para a “nova” (apesar de não ser “nova” no sentido de algo recentemente criado, mas “nova” no sentido de só àquela época revelada) manifestação da Deidade, que abre a porta para o conhecimento claro de Jesus Cristo e do Espírito Santo.
A PESSOA DO PAI É DEUS
Há um tão grande número de passagens bíblicas que revelam o Pai como Deus, que seria desnecessário prolongar muitas explicações acerca de Sua Deidade. A título de exemplo observe-se Jo 6.27 e 1Pe 1.2.
A PESSOA DE JESUS CRISTO É DEUS
Jesus Cristo é expressamente chamado de Deus, e isto se prova através da passagem de Jo 1.1-2:
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus.”
Nesses versículos o apóstolo João apresenta uma maneira de escrita que relembra a introdução do Gênesis, intencionando com isso revelar que Aquele do qual ele tratava (Jesus) é um ser co-eterno com o Deus da criação do AT.
A palavra “no princípio”, em grego (en archei) é semelhante ao hebraico (berêshith), presente em Gn 1.1, logo, vemos João apontando que Jesus e Deus não tiveram início, mas que se relacionam desde a eternidade, ainda antes da Criação.
João se refere a Jesus como o “Verbo” (gr. Logos). A utilização dessa palavra foi extremamente criteriosa, pois:
“É relevante que João opta por identificar Cristo no seu estado pré-encarnado com o Logos e não como Sophia (sabedoria). João evita as contaminações dos ensinos pré-gnósticos que negavam a humanidade do Cristo ou separavam o Cristo do homem Jesus. O Logos, que é eterno, “tornou-se carne.”
O apóstolo prossegue dizendo que o “Verbo estava com Deus” (gr. Logos pros ton theon), o que significa dizer que Eles tinham um relacionamento “face a face”, ou seja, desde a eternidade já estavam juntos. Na continuação do versículo João fecha o raciocínio ao dizer claramente que o Verbo, desde a eternidade, já era Deus.
O último versículo (v. 2) serve como uma ênfase que essa pessoa (Jesus Cristo), realmente estava em interação contínua com Deus desde antes da Criação.
Em Jo 1.14, o Verbo entra na História (se fazendo carne), como Jesus de Nazaré, sendo Ele o único capaz de revelar quem o Pai é, conforme Jo 1.17-18.
Pelo fato de Jesus ter compartilhado a glória de Deus desde toda eternidade (Jo 17.15), Ele é objeto da adoração reservada somente a Deus, pois Ele é Deus (Jo 5.23 e Fp 2.10-11).
Jesus possui os mesmos atributos de Deus
– Vida, Jo 1.4, 14.6
– Existência própria, Jo 5.26; Hb 7.16
– Imutabilidade, Hb 13.8
– Verdade, Jo 14.6; Ap. 3.7
– Amor, I Jo 3.16
– Santidade, Lc 1.35; Jo 6.69; Hb 7.26
– Onipresença, Mt 28.20
– Onisciência, Mt 9.4; Jo 2.24-25; 1Co 4.5; Cl 2.3
– Onipotência, Mt 28.18; Ap 1.8.
– Existência própria, Jo 5.26; Hb 7.16
– Imutabilidade, Hb 13.8
– Verdade, Jo 14.6; Ap. 3.7
– Amor, I Jo 3.16
– Santidade, Lc 1.35; Jo 6.69; Hb 7.26
– Onipresença, Mt 28.20
– Onisciência, Mt 9.4; Jo 2.24-25; 1Co 4.5; Cl 2.3
– Onipotência, Mt 28.18; Ap 1.8.
Finalmente, tudo que se pode dizer com relação ao Pai, pode-se dizer com referência ao Filho, conforme Cl 2.9, Rm 9.5 e Jo 14.9-11. Assim, Jesus é Deus, da mesma forma que o Pai o é.
A PESSOA DO ESPÍRITO SANTO É DEUS
O Espírito Santo, além de ser uma pessoa, é Deus, e habita desde a eternidade com o Pai e o Filho, de acordo com Hb 9.14, mas que fora “dado” com a vinda de Jesus Cristo (Jo 7.39).
O Espírito Santo é referido na Bíblia como sendo o próprio Deus, segundo At 5.2-4; 1Co 3.16; 12.4-6.
O Espírito Santo possui os mesmos atributos de Deus
– Vida, Rm 8.2
– Verdade, Jo 16.13
– Amor, Rm 15.30
– Onipresença, Sl 139.7
– Onisciência e Onipotência, 1Co 12.11
– Verdade, Jo 16.13
– Amor, Rm 15.30
– Onipresença, Sl 139.7
– Onisciência e Onipotência, 1Co 12.11
Por fim, o Espírito Santo é digno da mesma honra e adoração do Pai, conforme 1Co 3.16. Logo, o Espírito Santo é Deus, da mesma forma que o Pai e o Filho são.
ALGUNS ESCLARECIMENTOS
Deus é Trino, ou seja, de uma mesma essência ou substância (gr. homoousios, lat. substantia), entretanto possui três subsistências distintas (gr. prosopa, lat. persona), isto é, são realidades pessoais individuais, de tal forma que o Pai é o Pai, o Filho é o Filho e o Espírito é o Espírito, sem se misturarem, mas com perfeita concordância entre si.
Enfim: de uma mesma natureza em três pessoas distinguíveis.
Quanto a Jesus ter sido “gerado” pelo Pai (Hb 1.5), ou ser o “unigênito” do Pai (Jo 1.14) não significa que Ele foi, em algum momento “criado”, pois a palavra original é (gr. monogenês), que significa “incomparável”, “especial”, “único do seu tipo”, e “é aplicada a Jesus para enfatizar que Ele é, pela sua natureza, o Filho de Deus num sentido incomparável e especial, como nenhum outro pode ser”.
A ATUAÇÃO CONJUNTA DO PAI, DO FILHO E DO ESPÍRITO SANTO
Claramente se percebe o ensino da Trindade e da igualdade de Divindade entre as três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo, nas passagens de Mt 28.19 e 2Co 13.13.
RESUMO DA TRINDADE PARA JOÃO CALVINO
A distinção das pessoas na Trindade:
“Por isso, também, não devemos deixar-nos levar a imaginá-la como uma trindade de pessoas que detenha o pensamento cindido em relação às partes e não o reconduza, imediatamente, a essa unidade. Por certo que os termos Pai, Filho e Espírito assinalam distinção real, de sorte que não pense alguém serem meros epítetos [vocativos, nomes], com quê, em função de suas obras, Deus seja diversificadamente designado; entretanto se fala de distinção, não divisão. Que o Filho tem sua propriedade distinta do Pai no-lo mostram as referências que já citamos, pois a Palavra não haveria estado com o Pai se não fosse outra distinta do Pai; nem haveria tido sua glória junto ao Pai, a não ser que dele se distinguisse. De igual modo, ele distingue de si o Pai, quando diz que há outro que dá testemunho a seu respeito (Jo 5.32; 8.16,18). E a isto importa o que se diz em outro lugar: que o Pai a tudo criou mediante o Verbo (Jo 1.3; Hb 11.3), o que não seria possível, a não ser que, de alguma forma, seja distinto dele. Além disso, o Pai não desceu à terra, contudo desceu aquele que procedeu do Pai; o Pai não morreu, nem ressuscitou, e, sim, aquele que fora por ele enviado. Tampouco esta distinção teve início a partir de quando a carne foi assumida; ao contrário, é manifesto que também antes disso ele foi o Unigênito no seio do Pai (Jo 1.18). Pois, quem ousa afirmar que o Filho ingressou no seio do Pai quando, finalmente, então desceu do céu para assumir a natureza humana? Portanto, ele estava no seio do Pai e mantinha sua glória junto ao Pai antes disso (Jo 17.5).
Cristo assinala a distinção do Espírito Santo em relação ao Pai quando diz que ele, o Espírito, procede do Pai; além disso, a distinção do Espírito em relação a si mesmo a evidencia sempre que o chama outro, como quando anuncia que outro Consolador haveria de ser por ele enviado; e, frequentemente em outras passagens (Jo 14.16; 15.26)”.
Funções diferentes na Trindade:
“(…) a distinção que observamos expressa nas Escrituras, consiste em que ao Pai se atribui o princípio de ação, a fonte e manancial de todas as coisas; ao Filho, a sabedoria, o conselho e a própria dispensação na operação das coisas; mas ao Espírito se assinala o poder e a eficácia da ação. Com efeito, ainda que a eternidade do Pai seja também a eternidade do Filho e do Espírito, posto que Deus jamais pôde existir sem sua sabedoria e poder, nem se deve buscar na eternidade antes ou depois, todavia não é vã ou supérflua a observância de uma ordem, a saber: enquanto o Pai é tido como sendo o primeiro, então se diz que o Filho procede dele; finalmente, o Espírito procede de ambos. Ora, até mesmo o mero entendimento de cada um, de seu próprio arbítrio, o inclina a considerar a Deus em primeiro plano; em seguida, emergindo dele, a Sabedoria; então, por fim, o Poder pelo qual executa os decretos. Diz-se que o Espírito procede, ao mesmo tempo, do Pai e do Filho. Isto, na realidade, em muitas passagens, contudo em parte alguma está mais explícito do que no capítulo 8 da Epístola aos Romanos (v. 9), onde, na verdade, o mesmo Espírito é indiferentemente designado ora Espírito de Cristo, ora Espírito daquele que dos mortos ressuscitou a Cristo (v. 11), e não sem razão plausível”.
Enilson Heiderick
é pastor, bacharel em teologia, conferencista internacional, professor em teologia nas cadeiras de escatologia e homilética, membro do Conselho Interdenominacional de Ministros Evangélicos do Brasil.
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